A Insustentável Leveza de um Ecrã (ou o elogio das esperas)
Não sou daquelas saudosistas crónicas, nem defendo que 'no meu tempo é que tudo era bom', no entanto, tenho-me perdido por pensamentos cruzados sobre o que fazemos com o nosso tempo e, acima de tudo, sobre a importância da demora e daquilo que podemos ganhar enquanto 'perdemos tempo' a esperar. Tal surgiu a propósito da constatação empírica de que estamos a perder a paciência e o saber, serenamente, aguardar. Batemos o pé na fila para pagar, apitamos no trânsito após uma delonga de dois segundos diante de um semáforo verde, praguejamos se a App que usamos está a demorar mais que o desejado a abrir. Tal é ainda mais agudo quando olhamos para os mais novos, que tão pouco parecem ter a oportunidade para treinar este dom de saber aguardar e de tolerar a irritação que um stand-by pode causar.
Quem, como eu, cresceu nos anos 80 (e, claro, antes), sabia o que significava esperar. A espera por uma boleia, sem hora certa para chegar nem meio direto de contacto; a espera matutina pela 'abertura' da edição da RTP; a espera pelo carteiro; a espera pelos resultados do ‘Agora Escolha’. Sempre a espera, enquanto exercício involuntário e natural da autorregulação. Já perder um episódio da ‘Ana dos Cabelos Ruivos’, o ter de ir para a cama sem ver o resultado final dos ‘Jogos sem Fronteiras’ ou apanharmos com uma trilha publicitária da rádio, enquanto tentávamos gravar em cassete a nossa música favorita, apelava, naturalmente, às nossas competências de gestão da raiva e frustração.
Perante a inevitabilidade de uma espera, sacamos do ecrã mais próximo, qual Clinton Eastwood a sacar do seu revólver Smith & Wesson e, com um mero toque… Bang! Bang!... Damos cabo do ‘tempo-agora-morto’
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