Quando a Primavera Não Chega
Farias 6 anos, neste 21 de março que não chegou. Mas apenas o fantasio - tanto poderia ter sido, como poderia não ter sido. Poderias ter chegado a correr, algures por janeiro ou fevereiro, ou teres-te esticado, preguiçosamente, até aos primeiros dias de abril. É que nestas coisas das previsões nunca se incluem os imprevistos. Apenas sei, de fonte segura e medicamente atestada, que nunca me chegaste ao colo.
Na dúzia de semanas em que fomos um e em que ainda não sabia que já não crescias em mim, deliciava-me com a ideia de que março passaria a ser mais do que uma metáfora para a vida e que, com os primeiros dias da primavera, te traria para casa. A ti e ao cheirinho doce das flores nos teus finos cabelos; a ti e ao conforto do remoinho quentinho da tua nuca no meu nariz. Mas não. Não nasceste em março, como também não chegaste com os dias de verão, um par de anos depois. Numa e noutra vez, de olhos postos num monitor, percebi que o único coração que ouvia a galopar era mesmo o meu... enquanto uma onda de calor me invadia o estômago, estrangulava o coração e se via estancada num dique de palavras e emoções espartilhadas na garganta.
«Está tudo bem. Vai ficar tudo bem. Podia ser pior» - disse-me em silêncio e voltei-o a dizer, em jeito de mantra, para me convencer. E fui desfiando o novelo, nos dias que se seguiram, tranquilizando os que foram sabendo da tua (in)existência: «Está tudo bem. Vai ficar tudo bem. Podia ser pior». E voltei às rotinas e à velocidade dos dias que me ocupa as horas e o pensamento, até porque, no fundo, bem sei que «podia ser pior».
Para continuar a ler este artigo
nosso assinante:
assinante: