Cidadania, impostos e uma pitada de bom senso
Uma menina de pele abronzata e uma anilha no nariz, pelos vistos residente na Cova da Moura ou quejandos, aconselhava os seus próximos a não «arrebentar com a própria zona» mas com a «deles», «é rebentar com tudo, cortar estradas, rebentar com as montras, é rebentar com aquilo tudo», porque se continuarem a «arrebentar com a própria zona» «pode dar um badagaio mesmo rijo». (a pobre da miúda nem entende que isto é puro discurso de ódio e que lhe pode trazer «badagaios mesmo rijos» a nível criminal, mas isso é outra história).
«Deles», devemos ser nós. Nós, somos os que pagamos impostos, «lhes» pagamos a habitação social, os subsídios vários e diversos, os arranjos urbanísticos, as infra-estruturas de gás, electricidade, água e por vezes, tantas, o próprio consumo, que os interessados não pagam… E, claro, os autocarros que eles andam a queimar. «Nós», somos os cidadãos portugueses que não vivem na Cova da Moura e quejandos.
É um bocado chato estar assim a generalizar, e não é difícil de imaginar que mesmo na Cova da Moura haja quem também pague impostos, mas a triste verdade é que o sentimento de pertença e cidadania não é, pelos vistos e ouvistos, partilhado por todos.
Quando se fala em libertar as célebres aulas de cidadania das amarras ideológicas, também é isto: que noção de cidadania e pertença ao todo nacional têm estes jovens das Covas das Mouras e arredores? Andaram-lhes a impingir durante anos teoria de género, o «bué de cool» que é ter anilhas no nariz, identidades fluidas, anti-colonialismo e anti-racismo a granel, mas ninguém se lembrou de lhes dar educação a sério e explicar o que é ser um cidadão português.
Agora, não vale a pena espantarmo-nos com as consequências de décadas de desperdício educativo da maravilhosa escola pública, que a nossa esquerda tanto adora. Dá nisto: bora aí arrebentar com «aquilo» tudo.
Não quero aqui tomar partido entre a polícia (que tem sempre o meu voto de confiança) e os habitantes das Covas das Mouras, mas não deixo de me espantar com a facilidade com que uma miúda, pouco mais que adolescente, faz um apelo público à violência e ao caos contra «eles» (que somos nós) e se refere à «nossa zona» como se fosse outro país. O drama, é que para ela é mesmo outro país: o país que não é o «deles».
A triste realidade é que quem não paga impostos, ou paga os mínimos inferiores ao valor do que recebe (casa, subsídios, etc) também não se sente cidadão de corpo inteiro. Nos Estados Unidos da América, a revolta contra os ingleses começou com o facto de pagarem impostos e não se sentirem representados a nível político (no taxation without representation). O reverso dessa medalha é que também é difícil atribuir visibilidade política a quem não paga impostos nem contribui para o todo (no representation without taxation…).
Em Portugal, votamos todos, elegemos todos os nossos representantes, mas seria também necessário que todos tivéssemos a consciência das nossas obrigações perante a sociedade e a noção muito clara que na vida social e da polis não temos só direitos, mas também obrigação de contribuir. Isso é que devia ser ensinado nas aulas de cidadania.