É fascinante analisar a forma como as nossas memórias vêm com uma música, uma temperatura, uma textura, um cheiro, um sabor ou uma qualquer cor ‘em anexo’.
Este verão, num outro país, num dia muito quente, abeirei-me da montra de uma afamada gelataria. Tinha um leque variado de cores e sabores originais por onde escolher… mas houve qualquer coisa que me levou até aquele curioso sabor de ‘mandarino’. Peguei no distinto cone, entregue pelo gentil e heroico senhor, que, naquele dia sufocante, servia gelados numa elegante farda de tecido adamascado em tons de vermelho, composto por camisa, colete e casaco. Afastei-me da fila de gente, longe de ter a noção da experiência que me esperava, e, no instante em que o meu nariz se aproximou do cone e os meus lábios tocaram aquela pasta gelada, fui transportada para os anos 80, para a eira da casa da minha avó Matilde e para a prodigiosa tangerineira que crescia junto ao poço do quintal, no meio do verde e da terra húmida. Era uma árvore incrível, enorme, que produzia um sem fim de tangerinas a cada inverno. Assim que as nossas unhas rasgavam aquela casca grossa e esponjosa, sentíamo-nos bafejados por uma nuvem cítrica que nos inundavam os sentidos. Há décadas que este cheiro e sabor me tinham deixado e nem esperava ser possível voltar a reproduzi-lo.