Governo quer combater endogamia académica com limitações à contratação de doutorados
O Governo vai propor que os docentes e investigadores não possam ser contratados pelas instituições de ensino superior onde se doutoraram nos primeiros três anos após concluírem aquele grau, uma resposta à endogamia académica em Portugal.
A medida vai constar da proposta de alteração ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) (em vigor desde 2007) que, segundo o ministro da Educação, Ciência e Inovação, será entregue aos representantes das universidades e politécnicos na próxima semana.
“A proposta que temos é que os estudantes que iniciem o seu doutoramento depois da publicação do novo RJIES não possam ser contratados durante três anos na instituição onde se doutoraram”, explicou Fernando Alexandre, durante a apresentação do relatório da comissão para o acompanhamento da implementação das estratégias de prevenção da prática do assédio nas instituições de ensino superior, que decorreu hoje na Reitoria da Universidade de Lisboa.
A medida é uma resposta a um problema identificado de endogamia dentro das instituições de ensino superior, justificou o governante.
Segundo um estudo publicado em 2023 pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, a maioria dos docentes e doutorados que ocupam posições de carreira nas universidades públicas doutorou-se na mesma instituição de ensino superior em que leciona (68%).
“A relação dentro das instituições de ensino superior será sempre hierárquica, mas a endogamia transforma essa hierarquia, muitas vezes, em relações pouco saudáveis e que limitam a criatividade e a criação de conhecimento nas instituições de ensino superior”, afirmou Fernando Alexandre.
Durante a sessão, o ministro associou o problema ao assédio, considerando que “as situações de abuso são potenciadas pelo elevado nível de endogamia na nossa academia”.
A propósito do assédio moral e sexual no ensino superior, tema do relatório apresentado, acrescentou, já em declarações aos jornalistas, que as instituições despertaram para a importância do problema e deram resposta, mas reconheceu que “há um espaço muito grande de melhoria”.
“Não penso que a questão dos recursos seja o mais premente. Temos de ter uma cultura de respeito, criar ambientes saudáveis dentro das instituições de ensino superior, para que possa haver bem-estar da parte dos estudantes, dos investigadores e dos docentes”, disse o governante, que defendeu a autonomia das universidades e politécnicos para definirem as estratégias mais adequadas.
De acordo com o relatório, a esmagadora maioria das instituições de ensino superior criou canais de denúncia, mas poucas disponibilizam uma via específica para participar casos de assédio moral e sexual, e foram identificadas fragilidades na forma como as instituições respondem às denúncias, como comunicam os mecanismos disponíveis e na formação e capacitação para lidar com o tema.
Também presente na sessão de apresentação, a ministra da Juventude e Modernização sublinhou a importância das conclusões e recomendações da comissão, mas acrescentou que o trabalho está inacabado.
“Temos de ser consequentes com estas conclusões. É a única forma de conseguirmos garantir que Portugal é um país que respeita sempre os direitos humanos”, disse Margarida Balseiro Lopes, que considerou fundamental “desocultar o fenómeno e dar segurança às vitimas para falarem”.
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, acrescentou que o assédio moral e sexual é um fenómeno difícil de identificar e de tratar.
“Há um conjunto de dificuldades e é por isso que este tipo de estudo é importante para dar visibilidade, ajudar a identificar e impor um comportamento, que tem de ser através de muitas das medidas que estão aqui e às quais tem de ser dado o devido acompanhamento.
A comissão para o acompanhamento da implementação das estratégias de prevenção da prática do assédio nas instituições de ensino superior foi constituída em maio pelo atual governo, substituindo a comissão criada em março de 2023 para a elaboração de uma estratégia de prevenção do assédio.