Uma mochila demasiado pesada
Samir (podia chamar-se assim ou ter um outro nome qualquer) é um ser híbrido, meio garoto, meio homenzinho, com várias camadas de ser e uma armadura de aço na alma. Tem olhos escuros, brilhantes, um sorriso escondido, cicatrizes espalhadas pelos braços e o desejo secreto de ser Alguém.
Conhecia-o há um par de semanas, entre um francês básico misturado com inglês e muitos gestos e imagens, quando, sem contar com isso, Samir despiu todas aquelas cascas e, 'out of the blue', contou-me uma parte (das narráveis) da sua história. Disse-me que era um dos filhos mais novos de uma família que nem ele sabia bem como estaria e quem a ela pertenceria. Apenas os sabia bem longe, incontactáveis, noutro continente, naquela terra perdida, algures pelo mapa de um país tão árido quanto saudoso.
Depois, contou-me como começou a sua jornada. Quando a sua mãe se preparava para ter mais um bebé, Samir e um dos seus irmãos foram viver com um tio, que se tinha predisposto a 'aliviar' a sua mãe do cuidado de tantas crianças. Uma noite, ouvindo a conversa de homens que o julgavam a dormir, percebeu que o tio negociava o preço da mão de obra do seu irmão. Sabia que seria o próximo e, como também sabia o que eram os abusos e a escravatura escondida à descarada, num país como o seu, não esperou pelo dia nascer - com pouco mais de 12 anos, pôs-se a caminho para um sítio que não sabia bem onde era, mas que tinha ouvido dizer ser muito bom, próspero, com comida, escola e segurança.
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