Última Hora
Pub

Reportagem: Há uma nova floresta a nascer em Leiria

Com dois talhões intervencionados na Mata do Urso e com resultados “muito satisfatórios”, o município de Leiria já formalizou junto do ICNF o pedido para trabalhar num terceiro talhão, e que terá uma dupla função: revitalizar e proteger os hectares em torno da Lagoa da Ervedeira.

“Não vamos voltar a ter a mesma floresta” como aquela que foi mandada plantar pelo rei D. Dinis, e destruída pelo fogo em outubro de 2017, em mais de 85 por cento da sua área, mas esta afirmação de Luís Lopes não é necessariamente negativa. Há três anos, na Mata do Urso, mais concretamente nos talhões 263 e 264, começou a germinar o resultado de um projeto do município de Leiria, que sendo inovador na forma de pensar a floresta, foi buscar as técnicas utilizadas há vários séculos.
“Estamos habituados a trabalhar em grande escala, de forma muito mecanizada, e há 700 anos atrás, era tudo feito à mão, com pessoas a cuidarem. Agora não, não temos essa disponibilidade temporal e mental. Todos nós queremos que o pinhal volte, mas se queremos que o pinhal volte, tem que se perceber que tem que haver envolvimento das pessoas. Não pode ser feito de outra forma”, assegura o vereador com o pelouro do Ambiente e Proteção Civil da Câmara de Leiria.

Luís Lopes sempre teve uma visão daquilo que pretendia para o pinhal. Acreditava que era este o caminho. Se foi possível há séculos, com muito menos conhecimento, “hoje também tem de ser possível”. E se na altura em que envergava a farda de bombeiro, há sete anos, quando comandava as equipas no terreno e pouco podia fazer perante as labaredas de vários metros de altura que consumiam as copas dos pinheiros, enquanto vereador do Ambiente no município de Leiria faz questão em contribuir para que a floresta “tenha um destino diferente”.
Para o efeito, o município celebrou um protocolo com o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas para gerir dois talhões da Mata do Urso, localizados no concelho de Leiria. No total, são cerca de 60 hectares já praticamente intervencionados, e onde o município já investiu 50 mil euros em dois anos, com ações financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência.
Nestes dois talhões, foram plantadas mais de 40 mil árvores de cinco espécies, sobretudo pinheiro bravo e pinheiro manso. Um terceiro talhão, na Mata do Pedrógão, junto à Lagoa da Ervedeira, totalizará 80 hectares intervencionados.
De ‘rabo para o ar’ com a sua equipa e as dezenas de colaboradores de empresas que têm contribuído para a reflorestação, Luís Lopes começou por arregaçar as mangas e arrancar as invasoras da terra ardida. Uma fase inicial que não é propriamente “bonita”, mas é “muito eficaz para o sucesso de todo o projeto” e para o passo seguinte, a plantação das espécies.
À medida que foi avançando no terreno e no projeto, a equipa percebeu que o solo estaria propício para receber novas espécies do que apenas pinheiros.
“Foi uma surpresa. A ideia que temos, quando se fala do Pinhal de Leiria, é que é uma área contínua de pinheiro bravo. Basicamente, um terreno plano com árvores. O que nos fomos apercebendo, à medida que fomos progredindo, é que há zonas muito específicas. O pinhal não é todo igual e isso para nós é evidente. Aliás, quando falamos em duna e qual o efeito da duna sobre o pinhal, este é um exemplo de que temos uma parte com um crescimento mais acelerado porque está protegido pelo vento e quando contornamos a duna temos uma paisagem bastante diferente e isso também tem que levar a tomar opções diferentes”, explica Luís Lopes.
No terreno, enquanto observa orgulhosamente os rebentos, Luís Lopes explica à equipa de reportagem do Diário de Leiria que o pinheiro manso foi escolhido para o alto da duna, “com resultados muito satisfatórios”, muito acima da expetativa inicial do município. “Depois temos outra zona mais exposta com pinheiro bravo, com uma taxa de mortalidade mais elevada, mas, ainda assim, é possível ir fazendo esta gestão”.
Em zonas mais férteis, a plantação faz-se com outro tipo de espécies.
À medida que foram desbravando caminho, Luís Lopes assume que a equipa foi fazendo algumas experiências, “com todo o respeito pela natureza”.
“Fomos testando, tirando conclusões, se podíamos ser um pouco mais arrojados, uma vez que temos aqui uma zona mais consistente, e ir depois colocando outras espécies e temos tido resultados satisfatórios”, revela.

Lançadas na terra entre 300 a 400 mil sementes
Luís Lopes admite que a plantação tem sido “um processo difícil porque as sementes adquiridas já não são as originais e há diferenças, a começar pelas temperaturas”.
Na posse do município, estão cerca de 60 quilos de sementes originais. Em paralelo, a equipa tem estado a trabalhar com vários viveiros.
Segundo o vereador, já foram plantadas nos dois hectares entre “300 a 400 mil sementes”. “Vamos começar a ver resultados nos próximos cinco anos, quantas estão a nascer das que plantámos”, aponta.
Nem tudo tem corrido bem, admite. “Nesse aspeto, a natureza é bastante cruel”, mas Luís Lopes mostra-se otimista, tendo em conta o cenário que encontra a cada visita que faz à Mata do Urso.
No início de todo o processo de plantação, a taxa de mortalidade fixava-se na ordem dos 50%. Cerca de três anos depois, a taxa de mortalidade das espécies ronda os 30%, também tendo em conta as várias ações no terreno que têm vindo a ser realizadas, como a substituição das árvores que vão morrendo.
Pinheiros bravo e manso são as espécies com mais mortalidade, seguidos por espécies ripículas, como a nogueira, o freixo e o medronheiro, que rondam os 20% de mortalidade.
Os resultados das últimas ações no terreno podem começar a ser verificados daqui por um ano. “Temos essa capacidade de ir monitorizando. Fazemos plantações uma vez por ano, de outubro até fevereiro”, afirma.
O resto do ano é passado a fazer controlo de invasoras, interpretação, sessões de educação ambiental, entre outras iniciativas.
Luís Lopes assegura que este “é um trabalho para a vida toda”. “Que sirva também para provar que é possível fazer coisas e não esperar que alguém faça e tentar passar o testemunho, sobretudo para aqueles que vierem depois de nós”, afirma, admitindo alguma preocupação com “a ligação do decisor político ao futuro da floresta”. “Tem que haver uma continuidade em todo o processo”, conclui.

Janeiro 3, 2025 . 13:00

Partilhe este artigo:

Junte-se à conversa
0

Espere! Antes de ir, junte-se à nossa newsletter.

Comentários

Seguir
Receba notificações sobre
0 Comentários
Feedbacks Embutidos
Ver todos os comentários
Fundador: Adriano Lucas (1883-1950)
Diretor "In Memoriam": Adriano Lucas (1925-2011)
Diretor: Adriano Callé Lucas
94 anos de história
bubblecrossmenuarrow-right