Livrança em Branco: Limites da Responsabilidade
Aresponsabilidade dos avalistas de livranças em branco tem sido um tema discutido no nosso ordenamento jurídico, sendo agora levantada a preocupação premente relativa à segurança jurídica e à proteção dos direitos dos avalistas.
Ora, o aval, enquanto garantia pessoal tem, de facto, um papel de suma importância nas relações comerciais, podendo, no entanto, gerar conflitos no que diz respeito à desvinculação dos avalistas, nomeadamente no caso dos sócios-gerentes que apõem um aval em título cambiário constituindo, desta forma, o cumprimento de determinas obrigações da sociedade – prática comum em Portugal.
A tónica versa sobre a pretensão de desvinculação por parte de um sócio avalista, que aliás cede a sua participação a terceiro, desvinculando-se da sociedade. Surgem, portanto, dúvidas sobre a continuidade da sua responsabilidade pelas dívidas que surjam após essa saída, antes aliás de ser preenchida a respetiva livrança. A verdade é que, ao ceder a sua participação a terceiro, o sócio deixar poder controlar o cumprimento das dívidas existentes e das garantias por livranças anteriormente prestadas tendo esta premissa uma maior relevância quando a mesma resulta na ausência de um prazo indefinido na mesma. Vejamos que, se à data de desvinculação não existir nenhum débito, isto é, se a dívida reclamada surge em data posterior à desvinculação da qualidade de sócio, é consentâneo com o princípio da boa-fé não ser responsabilizado por uma dívida futura, sendo, inclusive, o conhecimento da mesma inexistente in totum se esse avalista, no momento da sua desvinculação com a sociedade, comunicar a sua vontade de se desvincular do aval prestado.
É, neste sentido, que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2025 recai. A indeterminação temporal da obrigação do avalista colide diretamente com o princípio da proibição de vinculações perpétuas, considerando a denúncia válida, libertando, consequentemente, o avalista das responsabilidades por dívidas contraídas após essa comunicação, por desconhecer o termo da obrigação ou a previsão de renovações automáticas, visto que não tem oportunidade de oposição, após a sua desvinculação.
De ressalvar, que a mera perda da qualidade de sócio não é suficiente para justificar a desvinculação, sendo importante atender que os efeitos da denúncia são limitados ao futuro, permitindo ao credor acionar o avalista por dívidas existentes até à data da denúncia.
Neste prima, o STJ depreende, e bem, que “obrigar alguém a permanecer indefinidamente vinculado ao pagamento de uma dívida futura, contraída por outrem e de montante desconhecido, por via do futuro preenchimento de uma livrança em branco, será uma solução que, em última análise, poderá pôr em causa o direito ao normal desenvolvimento da personalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 26º da CRP, na medida em que o avalista verá seriamente afetada a normal liberdade de tomar decisões na sua vida, por não saber em que momento será demandado para pagar dívidas cujo montante desconhece”.