Bióloga Helena Freitas defende agricultura nos pinhais dizimados por pragas e fogo
A bióloga Helena Freitas defende uma combinação da agricultura com a produção florestal em áreas de pinhal devastadas por incêndios, nemátodo e outras pragas.
Em entrevista à agência Lusa, a professora catedrática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra disse que “a fileira do pinho nunca se restabeleceu dos sucessivos impactos” das últimas décadas.
A cientista falava a propósito da chegada a Portugal, há 25 anos, do nemátodo da madeira do pinheiro-bravo, um verme microscópico disseminado por um inseto vetor e cuja ação leva geralmente à morte das árvores contaminadas.
“Conseguimos conter em parte este problema do pinhal, cujo sistema de produção, no entanto, ficou muito fragilizado pelo nemátodo”, declarou.
Tal como o ser humano, “quanto mais frágil estiver a planta, maior é a sua suscetibilidade” a pragas e doenças, tendo as alterações climáticas e os incêndios agravado a situação, segundo a também ex-coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior.
Para minimizar o impacto das pragas na produção da madeira de pinho, tornando as árvores mais saudáveis, “teria de haver um investimento mais consistente” da parte da indústria, a par de apoios específicos do Estado para o setor, recomendou.
Reconhecendo que “a fileira do pinho sofreu muitos embates”, destacou “os incêndios de enorme violência” dos últimos anos, que “fragmentaram a floresta”, designadamente no Centro do país.
Há material lenhoso que muitas vezes fica ao abandono nas áreas ardidas, onde acaba por entrar em decomposição, o que favorece o aparecimento de doenças.
“A fitossanidade é um dos problemas mais críticos que vamos enfrentar nos próximos anos”, em Portugal e por todo o mundo, alertou a botânica, ao sugerir que “é preciso adotar rapidamente um nível de organização” que minimize perdas na exploração florestal e salvaguarde também a necessária produção de alimentos com qualidade.
Helena Freitas disse que se verifica uma “enorme pressão sobre os sistemas”, tendência que tende a crescer em todo o mundo.
Quanto ao nemátodo, que entrou em Portugal em 1999, foi “importante limitar a sua expansão” com medidas que permitiram travar parcialmente a praga.
A legislação europeia para o restauro da natureza, em vigor desde 2024, “devia ser aproveitada pelo país”.
“Não é possível continuarmos como estamos. A indústria, que também deve estar em maus lençóis, tem capacidade para se organizar e cuidar”, acentuou.
A indústria "deixou-se ficar pendurada no lucro e não trabalhou com o Estado as soluções necessárias”, criticou.
Para a ecologista, não faz sentido apostar no eucaliptal ou no pinhal como opções para uma nova floresta, porque essas árvores “não têm resiliência ao fogo”.
Sobretudo no Centro de Portugal, “cuja matriz florestal está desadequada das condições climáticas, demográficas e sociais”, o território “não está cuidado para responder a soluções produtivas” e a floresta “tenderá a arder”.
“O território está agora ocupado por espécies infestantes que vão aproveitar essas condições”, sublinhou Helena Freitas, antevendo que “vai ser muito difícil manter a matéria-prima de que a indústria precisa”.
Lamentando que todos os anos sejam “gastos milhões de euros a combater os incêndios”, Helena Freitas disse que “a indústria tem de cuidar e o Estado tem de começar a reverter e transformar”.
“Hoje, as pessoas temem a floresta. Não auguro grande futuro, particularmente para a floresta que temos na região Centro”, acrescentou.
A professora universitária reclamou “uma progressiva conversão” das áreas de pinheiro-bravo dizimadas pelos fogos e pragas, a fim de “combinar produção agrícola e produção florestal”, disponibilizando ainda “manchas para uma agropecuária extensiva”.
“Precisamos de agricultar o país e trazer valor ao território. Esta é uma imposição que resulta da segurança alimentar”, enfatizou.