
Especialistas pedem inclusão das doenças neurológicas no regime especial de comparticipação
A Sociedade Portuguesa de Neurologia lamenta que as doenças neurológicas tenham sido excluídas do regime de comparticipação especial que inclui medicamentos para tratar doenças nas áreas da Reumatologia, Dermatologia e Gastroenterologia e pede igualdade de acesso para os doentes.
Numa carta a enviar esta semana à ministra da Saúde, a que a Lusa teve hoje acesso, a Sociedade Portuguesa de Neurologia saúda a portaria de outubro de 2024 que criou este regime, mas diz que esta exclusão pode levar a “uma enorme assimetria e desigualdade no acesso” à saúde, especialmente das pessoas com doenças do sistema nervoso.
Na missiva, que ainda está a recolher assinaturas de outras sociedades médicas e grupos de estudo nesta área, as organizações lembram que as doenças neurológicas estão entre as principais causas de mortalidade e morbilidade em Portugal e na Europa e consideram “problemática” a ausência na portaria de medicamentos para tratar doenças neurológicas.
“Afigura-se-nos problemática, na medida em que, atendendo à respetiva epidemiologia e morbilidade, estas patologias são cada vez mais prevalentes, afetam segmentos da população em idade jovem, têm uma evolução crónica e, se diagnosticadas e tratadas atempadamente, podem permitir um muito melhor prognóstico e um regresso à vida ativa” escrevem.
Em declarações à Lusa, a presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, Isabel Luzeiro, citando estudos recentes, lembra que as desigualdades socioeconómicas no acesso aos medicamentos e aos cuidados de saúde “estão piores (…) do que no período pandémico e pré-pandémico”.
“Neste momento, as listas são enormes, os tempos de espera são enormes. Por um lado, porque há burocracia envolvida, que é o que nós estamos a tentar resolver, e, por outro lado, há sobrecarga dos serviços públicos”, disse a responsável, lembrando que esta situação leva a um atraso na observação do doente e no tratamento.
Recorda que, com especialidades como a Reumatologia, Dermatologia e Gastrenterologia é possível um médico a exercer no privado fazer a prescrição, que vai a uma comissão nacional de farmácia para decisão e depois é entregue na farmácia hospitalar e é distribuída ao doente.
"Porque é que têm acesso ao tratamento esses doentes de outras especialidades e na Neurologia isso não acontece?”, pergunta Isabel Luzeiro.
Questionada sobre porque ficaram de fora desta portaria as doenças neurológicas, respondeu: “Não conseguimos perceber (…). Não sei se foi uma questão de custo, se é de burocracia ou, simplesmente, foi uma falta de prioridade na gestão da saúde pública e a Neurologia ficou de fora”.
Na carta, os especialistas lembram ainda que a disponibilização de medicamentos para esclerose múltipla, demências, acidente vascular cerebral, enxaqueca, epilepsia, doenças do movimento, doenças neuromusculares e patologias do sono “em condições semelhantes às consideradas para outras especialidades”, contribuiria para “garantir aos cidadãos o direito constitucionalmente consagrado de acesso à saúde, independentemente do estrato social ou condição económica que possuam”.
A missiva, que vai ser enviada esta semana à ministra da Saúde e que se segue a um documento idêntico já enviado pelo colégio da especialidade de Neurologia da Ordem dos Médicos, pede igualmente que as comissões de farmácia e terapêutica e a Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica possam integrar um especialista em Neurologia.
“Reconhecendo-se a especial complexidade das doenças do sistema nervoso, afigura-se-nos sensato que, nos casos em que a situação em apreço seja do foro neurológico, estas comissões integrem um médico especialista da área, de forma a melhor apreciar a indicação clínica do tratamento proposto”, consideram.
“Não tendo na comissão ninguém específico da neurologia, se calhar é mais difícil selecionar qual o fármaco que merece essa contribuição. Mas penso que isso será a coisa mais fácil de obviar e de alterar”, disse à Lusa Isabel Luzeiro, que pede que se eliminem estas “barreiras no acesso”.