Ainda agora começamos e já estamos a desistir?
Quando há dias o Presidente Macron convocou uma reunião sobre defesa e segurança da Europa e convidou sete dirigentes europeus, o Reino Unido e o Canadá, houve muitos que em Portugal se indignaram porque o governo português não foi convidado.
Calha que nestas coisas só está convidado quem tem alguma coisa para dar. Portugal, porque está longe da guerra, não tem forças armadas de que se possa falar e nunca está disponível para nada, não foi.
A confirmar, na terça feira passada, ficamos a saber que o Governo só discute envio de tropas para a Ucrânia após um plano de paz, disse o Ministro da Defesa Nuno Melo.
Acrescentou que um eventual envio de tropas portuguesas para a Ucrânia só deve ser discutido depois de estar concretizado um plano de paz, mas que essa decisão "não está nem sequer a ser avaliada". (https://www.publico.pt/2025/02/25/politica/noticia/governo-so-discute-envio-tropas-ucrania-apos-plano-paz-nuno-melo-2123852).
Nestas coisas, não basta dizer que estamos na Europa (e venham daí mais fundos…) , é preciso ser realmente Europeu.
Ser realmente europeu quer dizer participar activamente no que é europeu, incluindo a defesa e segurança comum.
Os últimos 15 dias foram um verdadeiro filme de terror no que diz respeito à segurança e defesa da Europa: o presidente dos Estados Unidos, o Senhor Trump, dando sequência ao que já tinha dito e redito, de um fôlego declarou que se desinteressa totalmente pela defesa da Europa; que a Ucrânia é que iniciou a guerra; que o Senhor Zelensky é um ditador; que se vai entender com o Putin; que a Europa não é democrática; e que, em suma, a NATO está morta. Tomamos boa e devida nota da certidão de óbito.
Isto quer dizer que a segurança e defesa da Europa é um assunto dos Europeus e eventualmente, se quiserem nisso participar, dos Canadianos. Não do Estado-Unidenses.
Neste contexto, «nem sequer avaliar» a participação portuguesa no empreendimento comum de defesa é manifestar que vivemos numa ilha isolada do resto do mundo e dizer aos nossos parceiros europeus que não contem connosco.
Só que não. Na verdade, vivemos na Europa e não podemos continuar a assumir esta atitude deslassada de quem não quer saber dos problemas dos outros, porque são os nossos problemas. A guerra da Ucrânia já teve fortes repercussões em Portugal, a começar pela subida do preço da energia. Vai ter muitas mais.
Esta questão está apenas no início. Quer haja paz na Ucrânia e a invasão russa seja travada por um acordo, que neste momento não se vislumbra como possa ser bom, quer não haja, a participação portuguesa e a de todos os outros, é essencial. Como diz o outro, só faz falta quem está; quem não está, podemos esquecer.
Se os portugueses querem ser respeitados e que a sua voz conte, têm de participar no esforço comum. As boleias acabaram. Não me parece que os alemães, que aparentemente já entenderam a raiz do problema, ou os franceses, estejam muito dispostos a ouvir as sábias opiniões de quem não tem nada para contribuir.
Os portugueses têm de entender, por seu turno, que o mundo, tal como o conhecíamos, mudou e mudou para muito pior e mais perigoso e que a nossa tribo é a Europa.
Teremos de rever com olhos de rever a questão da imigração, a questão do investimento em defesa e a questão da sustentabilidade do estado social e do deslaçamento da nossa vida social. Esta revisão é urgente e nem devíamos necessitar que um Vance qualquer viesse à Europa explicar que os nossos valores têm de se adequar às necessidades do tempo presente.
Durante anos, enquanto entregamos ao potentado americano o custo e encargo da nossa defesa comum, pudemo-nos dar ao luxo de sustentar um estado social quase sem limites. Era o que fosse preciso. Isso mudou e das duas uma: ou aceitamos ser, colectivamente, uma potência de segunda, sujeita aos caprichos de um senhor Putin ou de um senhor Xi ou, pior, de um senhor Trump, ou reassumimos a nossa vocação de grande potência e reaprendemos a manejar o poder incluindo o poder militar sem o qual nenhuma grande potência o é.
E Portugal, nesse conjunto, ou assume a sua quota parte de encargos e bravura, ou se remete a um triste estatuto de pais dominado e sujeito.
Acho que não é isso que queremos, mas o nosso Governo parece que ainda não entendeu que este século XXI não vai lá com receitas do século XX.