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“Toda a água que se possa reter e infiltrar é um contributo para a qualidade de vida”

Melhorar comportamentos, tratamentos de águas residuais e resolver, de uma vez por todas, o problema do tratamento dos efluentes suinícolas são aspetos que, no entender de Mário Oliveira, podem ajudar a melhorar a água da Bacia Hidrográfica do Lis.

Quando é que foram feitas as últimas análises à água do rio Lis?

As últimas análises efetuadas aos 15 pontos da bacia hidrográfica do Lis foram realizadas na primavera de 2024. Posteriormente, foram realizadas outras análises em alguns pontos selecionados, em julho de 2024.

O que dizem os resultados?

Em março, os resultados mostravam que o rio Lena apresentava, em termos gerais, melhores valores que o rio Lis, ainda que acima dos valores admissíveis. No rio Lis, as recolhas de água com resultados muito acima dos valores máximos admissíveis foram efetuadas na Ponte do Arrabalde, na confluência do Lis com o Lena, na confluência do Lis com a Ribeira dos Milagres, na confluência com o açude das Salgadas e junto à foz, na Praia da Vieira. Em julho foi feita uma outra recolha, mais dirigida, tendo-se confirmado os maus resultados na Ponte do Arrabalde, mas também na Ponte dos Caniços. As análises efetuadas na Ribeira do Sirol e junto ao Parque Radical, também com resultados negativos, mas muito melhores que os anteriormente referidos, levantaram a suspeita que o funcionamento da Etar das Olhalvas, embora cumprindo com o que lhe é legalmente exigido não faz o tratamento integral dos efluentes que recebe, pudesse ter responsabilidades nos resultados verificados na Ponte dos Caniços. Ainda em julho foram também realizadas análises no Parque Verde que revelaram valores acima dos admissíveis, em linha com os que seriam também alcançados na Ponte das Mestras.

O que é que contribui para a degradação da qualidade da água?

As bactérias Escherichia coli e Enterecocos Intestinais estão presentes nos intestinos de mamíferos, grupo de ser vivos em que se incluem os humanos e os suínos. Sendo certo que o tratamento dos efluentes de suinicultura é um problema regional com impacte direto sobre a contaminação dos recursos hídricos, não podemos deixar de pensar na possibilidade dessas bactérias aparecerem na água dos rios em resultado da existência de esgotos que não estejam ligados à rede de saneamento ou à possibilidade de o tratamento destes efluentes não estar a ser corretamente efetuado (no tocante ao tratamento destas bactérias).
Outros tipos de poluição da água podem existir, em resultado de descargas acidentais (ou não acidentais) de efluentes industriais, poluição difusa por pesticidas e adubos, descargas de óleos e gorduras, entre outras causas. Naturalmente, as descargas de outros resíduos sólidos vai sendo cada vez menor, felizmente, mas não é raro verem-se pneus, latas, garrafas (metálicas e plásticas), etc, a descer no rio. Todas estas situações têm uma causa comum: o comportamento humano, de forma direta e indireta.

O que pode ser feito para inverter estes resultados?

Resolver definitivamente o problema do tratamento dos efluentes suinícolas. Melhorar a qualidade do tratamento existente nas estações de tratamento de águas residuais que nos servem. Melhorar o nosso desempenho relativamente ao que colocamos nas nossas águas residuais. Melhorar o comportamento humano face à forma como muitos de nós, humanos, lidamos com a necessidade de nos desfazermos dos resíduos, insistindo em campanhas de sensibilização e educação ambiental, mas também penalizando severamente os infratores.

 

Temos assistido a um início de ano extremamente chuvoso. Valores de precipitação tão elevados como os de 2025 afetam a qualidade das águas? De que forma?

Sim. Podendo contribuir para a diluição de alguns contaminantes (localmente), ainda que os mesmos acabem por se depositar no oceano que, pouco a pouco e com o passar do tempo, vai ficando com concentrações anormais de contaminantes de todo o tipo. O mesmo se verifica com o arrastamento de resíduos sólidos anteriormente referidos, por exemplo. Basta observar os resíduos que dão à costa após temporais em que o caudal dos rios aumenta – de cotonetes a frigoríficos tudo se pode encontrar na praia…
Caudais muito elevados podem transportar consigo elevadas quantidades de sedimentos, resultantes da erosão de solos (normalmente erodidos por má utilização agrícola ou florestal) ou margens dos próprios rios (em resultado de, por exemplo, de corte incorreto de vegetação ripícola), que contribuirão para assoreamento dos rios e eventuais inundações. Neste caso particular [o transporte de sedimentos pelos caudais], importa salientar o transporte de cinzas de fogos rurais, com impacte direto na fauna piscícola e na qualidade de água para uso humano.

A nossa região sofreu com este fenómeno? E os campos do Lis?

Certamente que sim. Historicamente, os campos marginais aos rios sempre sofreram inundações e, atualmente, é-lhes reconhecida a importância para a recarga de aquíferos de profundidade. Ainda que do ponto de vista agrícola possa haver perdas para os agricultores, os recursos hídricos de profundidade agradecem umas inundações (e a deposição de novos sedimentos nos terrenos agrícolas também os deverá enriquecer do ponto de vista dos componentes minerais necessários aos solos). O assoreamento do leito do rio e ribeiras é um dos maiores problemas dos agricultores e da associação de regantes do vale do Lis.

Quais as vantagens e as desvantagens para a região com um período tão chuvoso?

As necessidades de água para satisfação das necessidades humanas, mas também ecológicas, são tão vitais quanto inquestionáveis, e mais ainda quando o desafio das alterações climáticas mostra, cada vez mais, essa importância. No caso da bacia hidrográfica do Lis toda a água que se possa reter e infiltrar (não se perdendo de forma direta para o mar…) é um contributo para a qualidade de vida neste território e isso inclui toda a diversidade biológica do mesmo. Por isso a Oikos defendeu, há pouco tempo, a criação de bacias de retenção de aguas pluviais, visando justamente aproveitar a água excedentária ‘hoje’ para enfrentar a sua carência daqui a meses, em época de secas ou de incêndios, por exemplo. Ao longo das bacias hidrográficas podem ir sendo construídas uma espécie de lagoas artificiais que recolhem a água quando há chuva em excesso e essas lagoas depois servem, por um lado para, em caso de incêndio poderem ser usadas como abastecimento de helicópteros e, por outro lado, são zonas que permitem fazer reservas de água estratégicas em tempo de excesso para depois fazermos face aos tempos de falta. Na prática, isto não é uma coisa que se faça de um dia para a noite, é preciso haver estudos claros sobre onde as colocar, onde as localizar, porque elas próprias depois também são promotoras de biodiversidade. Em suma, aprendamos a valorizar a chuva e a gostar de ver chover… é garantir a nossa vida e dos demais seres vivos com quem devemos aprender a partilhar o nosso habitat.

Ainda assistimos à prática de descargas ilegais. Quais as soluções para um problema estrutural como este?

Certamente, continuar a insistir na educação ambiental da população, continuar a criar condições para a correta deposição, tratamento e valorização dos diversos tipos de resíduos, intensificar a fiscalização, penalizar ‘a sério’ dos infratores, entre outras…

Que ações podemos esperar da Oikos na sua luta pela defesa e manutenção dos ecossistemas biodiversos?

Para manutenção da diversidade biológica há que conhecer os ecossistemas e o seu funcionamento e, naturalmente, procurar adaptar o mais possível o nosso comportamento ao equilíbrio desses mesmos ecossistemas. Este jornal não chegaria para detalhar tudo aquilo que a Oikos tem feito neste domínio ao longo dos seus 35 anos de existência… reuniões com entidades públicas e privadas para tratar estas temáticas, realização de denúncias às entidades responsáveis pela gestão ambiental, emissão de pareceres técnicos, edição de materiais de natureza pedagógica e didática, realização de eventos de natureza técnica e científica ligada aos desafios ambientais contemporâneos, realização de percursos pedestres para divulgação e valorização do património natural, formação de professores e alunos em matéria ambiental, integração de parcerias para dinamização de projetos de desenvolvimento comunitário, participação em projetos de investigação académica, dinamização de projetos de educação ambiental...

Março 21, 2025 . 18:30

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