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Retribuição após a cessação do contrato

Março 22, 2025 . 10:00
Opinião: "A legislação laboral portuguesa não oferece um regime particularmente detalhado acerca da retribuição variável (e pouco ou nada refere a propósito das comissões em específico), de modo que a sua definição e as condições do seu pagamento estão maioritariamente dependentes daquilo que for livremente acordado".

A retribuição que, na constância de um contrato de trabalho, é paga ao trabalhador pode ser constituída por uma parte variável que o mais das vezes reveste a forma de ‘comissões’.
A legislação laboral portuguesa não oferece um regime particularmente detalhado acerca da retribuição variável (e pouco ou nada refere a propósito das comissões em específico), de modo que a sua definição e as condições do seu pagamento estão maioritariamente dependentes daquilo que for livremente acordado entre entidade empregadora e trabalhador (ou daquilo que constar de IRCT eventualmente aplicável à relação de trabalho).
É interessante anotar que a legislação espanhola (no ‘Estatuto de los Trabajadores’) estabelece expressamente que o direito à comissão nascerá no momento em que se realize e pague o negócio/colocação/venda em que o trabalhador haja intervindo. E idêntica norma podemos encontrar também na legislação brasileira (na ‘Consolidação das Leis do Trabalho’), a qual tem a particularidade de estabelecer ainda que a cessação das relações de trabalho não prejudica o recebimento das comissões e percentagens devidas. De seu lado, a lei laboral portuguesa nada diz quanto ao momento da constituição ou vencimento do direito às comissões.
Ora, não poucas vezes surge a questão de saber se, após a cessação do contrato de trabalho, o trabalhador pode exigir as comissões respeitantes às vendas/angariações que, tendo sido por ele negociadas/angariadas durante a vigência da relação laboral, só se tenham consumado (nomeadamente através do efetivo pagamento à entidade empregadora pelo cliente angariado) depois de terminada essa relação. A lei portuguesa não oferece uma resposta clara e direta para esta questão, tornando a solução jurídica altamente discutível no plano do direito.
Por um lado, poder-se-á argumentar que o facto constitutivo daquelas comissões só ocorreu depois de terminada a relação laboral e, como tal, visto que a lei do trabalho não parece reconhecer quaisquer créditos do trabalhador que se constituam depois da extinção contratual (prevê, isso sim, créditos que se constituem no momento da execução, violação e/ou cessação do contrato de trabalho, mas nunca para além disso, daí que o prazo de prescrição seja de apenas um ano após o termo do contrato de trabalho), nenhuma comissão seria devida ao ex-trabalhador, exceto aquelas que se houvessem já vencido na pendência da relação contratual. Esta solução parte, porém, do pressuposto de que as comissões só se constituirão com a boa cobrança da venda/angariação (o que configura a prática mais habitual no caso dos trabalhadores-vendedores), mas tal pode não corresponder ao acordado entre as partes.
Por outro lado, poder-se-á argumentar que ao trabalhador se deve aplicar, analogicamente e por força das regras gerais da integração de lacunas da lei, o direito do agente-comissionista de receber a comissão pelas angariações/vendas que negociara na pendência da respetiva relação contratual, mas que só se consumaram depois de terminado esse contrato, direito este que está expressamente contemplado na lei do contrato de agência. Este argumento não é despiciendo. Contudo, a legislação comercial – e particularmente o contrato de agência – tem uma lógica própria e opera sob pressupostos que podem não se coadunar com a realidade laboral ou com a forma e condições de execução do contrato de trabalho. E, como tal, para situações desiguais, a solução tem de ser necessariamente desigual.
Idealmente, deveria o legislador colmatar esta omissão legislativa, que muitas vezes gera injustiças para entidades empregadoras e trabalhadores, ao invés de deixar a solução jurídica sob o prudente juízo dos tribunais, com a imprevisibilidade que inevitavelmente lhe está associada.

Março 22, 2025 . 10:00

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