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“O uso de imagens de videovigilância como meio de prova no âmbito do procedimento disciplinar”

Março 30, 2025 . 11:00
Opinião: "Para além do sistema não poder ser usado para controlar o desempenho do trabalhador (motivo pelo qual não deverá incidir regularmente sobre o mesmo), o sistema, também, não pode incidir sobre o interior das áreas reservadas aos trabalhadores, tais como “áreas de refeição, vestiários, ginásios, instalações sanitárias e zonas exclusivamente afetas ao seu descanso”.

A proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados está regulamentada na Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto - Lei da Proteção de Dados Pessoais (LPDP). Sendo certo que o regime legal específico aplicável às relações laborais está previsto no art. 28.º da supracitada Lei.
Deste modo, estatui o n.º 1 do aludido artigo que “O empregador pode tratar os dados pessoais dos seus trabalhadores para as finalidades e com os limites definidos no Código do Trabalho e respetiva legislação complementar ou noutros regimes setoriais, com as especificidades estabelecidas no presente artigo.”
Determinando o seu n.º 4 que as imagens gravadas através da utilização de sistemas de vigilância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho (CT), só podem ser utilizados no âmbito do processo penal.
A este propósito, resulta do art.º 20.º, n.º 1, do CT, que o empregador pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, desde que não tenha por finalidade controlar o desempenho do trabalhador e, nos termos do n.º2 do mesmo normativo, é lícito a utilização de meios de videovigilância sempre que tal vise a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
Para além do sistema não poder ser usado para controlar o desempenho do trabalhador (motivo pelo qual não deverá incidir regularmente sobre o mesmo), o sistema, também, não pode incidir sobre o interior das áreas reservadas aos trabalhadores, tais como “áreas de refeição, vestiários, ginásios, instalações sanitárias e zonas exclusivamente afetas ao seu descanso”, nos termos do art.º 19.º, n.º 2, alínea d), da LPDP
Não obstante a restrição anteriormente referida no art. 28.º, n.º 4, da LPDP, que as imagens gravadas apenas podem ser utilizadas no âmbito do processo penal, a verdade é que n.º 5 do mesmo artigo acrescenta que as imagens gravadas podem ser utilizadas para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, “na medida em que o sejam no âmbito do processo penal”.
Assim, poderia colocar-se a questão de as imagens gravadas só poderem ser utilizadas no âmbito de procedimento disciplinar na medida em que o fossem no âmbito do processo penal. Neste sentido, na eventualidade do empregador não apresentar queixa-crime, poderíamos ser levados à conclusão que as imagens do sistema de videovigilância não poderiam ser consideradas para efeitos do procedimento disciplinar.
Esta questão foi clarificada pelo Acórdão de 28.11.2022, do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 6337/21.8T8VNG.P1, e que decidiu que o uso das imagens captadas através do sistema de videovigilância, poderão ser utilizadas como meio de prova no apuramento da responsabilidade disciplinar, desde que não esteja em causa o controlo do desempenho do trabalhador e os factos possam ter relevância criminal, ainda que inexista (ou sequer intenção desse sentido) de prosseguir criminalmente contra o trabalhador.
Deste modo, é a qualidade/gravidade dos factos imputados ao trabalhador e não a existência de processo criminal, bastando para o efeito que estejam em causa factos suscetíveis, ainda que abstractamente, de serem averiguados nesse âmbito.
Esta decisão judicial abriu caminho para o empregador utilizar as imagens recolhidas por sistema de videovigilância em sede disciplinar contra o trabalhador, desde que cumpridos os pressupostos acima indicados, ficando ao seu critério apresentar, ou não, queixa-crime contra o trabalhador visado.

Março 30, 2025 . 11:00

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