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Combate à precariedade ou atestado de menoridade?

Fevereiro 14, 2025 . 18:00
Opinião: "Quando o prestador apenas presta os seus serviços quando para tal tem disponibilidade, não sendo sancionado quando falta, não nos parece que uma tal relação possa configurar um vínculo laboral".

Todos se recordarão que, nos últimos tempos do mandato do anterior governo, se falou muito, a propósito da chamada “Agenda do Trabalho Digno”, do combate à precariedade.
No fundo o que aconteceu foi que o governo do Partido Socialista adoptou algum do fraseado dos seus anteriores parceiros de coligação (PCP e BE) e aprovou uma série de alterações ao Código do Trabalho e legislação complementar que visava exactamente combater a precariedade no trabalho.
Diga-se em abono da verdade que fazer esse tipo de alterações em tempos de quase pleno emprego (eu atrever-me-ia a dizer que estamos num tempo em que só não trabalha quem não quer, pois todos os sectores de actividade se queixam de falta de mão-de-obra) não é propriamente o mais necessário.
Mas a verdade é que, aprovadas que foram tais alterações, o governo instruiu os serviços da ACT para saírem para o terreno à procura dos infractores.
Esses processos estão agora a ser julgados nos Tribunais do Trabalho.
E as decisões são praticamente unânimes: considerar todos os prestadores de serviços vinculados por contrato de trabalho.
De facto, os Tribunais têm de julgar segundo a lei e o que a lei diz é que, verificados que sejam alguns dos pressupostos nela estabelecidos como indícios da existência de contrato de trabalho, a relação jurídica subjacente deve ser qualificada como contrato de trabalho. E esses indícios são os seguintes:
- A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário dessa actividade;
- O prestador da actividade observe horas de início e de termo da prestação determinado pelo beneficiário da mesma;
- Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador da actividade, como contrapartida da mesma;
- O prestador da actividade desempenha funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
A excepção desta última característica, que entendemos, sem qualquer margem para dúvida, ser um indício esclarecedor de que se trata de alguém incluído na hierarquia da empresa, sujeito a um vínculo de subordinação e consequentemente de um contrato de trabalho, todos os outros indícios podem perfeitamente existir tanto em contratos de trabalho, como em contratos de prestação de serviços.
E o factor distintivo entre um e outro tipo é, em nosso modesto entender, o poder de autoridade da entidade empregadora.
Autoridade essa que se exerce de diversas formas, designadamente através da acção disciplinar.
Porém, quando o prestador apenas presta os seus serviços quando para tal tem disponibilidade, não sendo sancionado quando falta, não nos parece que uma tal relação possa configurar um vínculo laboral.
Mas o que mais fere a nossa sensibilidade é o facto de a vontade manifestada pelo próprio prestador não ser sequer considerada para a decisão.
Só as chamadas profissões liberais (médico, engenheiro ou advogado) é que podem ser exercidas em regime de prestação de serviços, ainda que todos aqueles indícios que constam do Código do Trabalho se verifiquem, como é caso dos milhares de avençados do Estado e das Autarquias? (O Estado sempre a dar o exemplo, tipo Frei Tomás).
Então um serralheiro, um canalizador ou um soldador não podem ser prestadores de serviços mesmo quando são eles que escolhem livremente esse tipo de vínculo?
Não haverá aqui a violação do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho ou do direito à iniciativa económica privada (artºs 47º e 61º da Constituição da República)?
Afinal falamos de combate à precariedade ou de atestado de menoridade?

Fevereiro 14, 2025 . 18:00

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