A divisão do Atlântico, no tempo dos Descobrimentos
Há 545 anos os principais reinos da Península Ibérica, Portugal e Castela, envolvidos nas descobertas, que decorriam no oceano Atlântico desde há cerca de meio século, assinaram entre si um tratado regulamentador das áreas de prosseguimento dos Descobrimentos, foi o Tratado de Alcáçovas, assim denominado por ter sido ratificado nessa localidade, que é, actualmente, uma freguesia do concelho de Viana do Alentejo.
Por ele ficou determinado, a 6 de Março de 1480, que a parte portuguesa se situava a norte do “paralelo de Alcáçovas” (linha imaginária que dividia as áreas de influência de Portugal e Castela no Atlântico e se situava aproximadamente a 27º 30' de Latitude Norte).
Esta delimitação garantia direitos exclusivos a Portugal sobre a exploração da costa africana e das ilhas atlânticas (Madeira, Porto Santo e Açores) e a posse das Canárias a Castela. Mais tarde, o Tratado de Tordesilhas (1494) alterou essa divisão, passando de um paralelo para um meridiano, traçado a 370 léguas a Oeste de Cabo Verde, ficando a parte Leste para Portugal e a parte Oeste pra os espanhóis.
O Tratado de Alcáçovas serviu também para pôr fim à Guerra de Sucessão de Castela (iniciada em 1475), um conflito (que assumiu características de guerra civil em Castela) desencadeado pela disputa do trono castelhano entre D. Isabel, futura D. Isabel I de Castela, e D. Joana, a Beltraneja, rainha consorte de Portugal.
A Guerra de Sucessão surgiu na sequência da morte do rei Henrique IV de Castela, em 1474. Sua filha, D. Joana, era contestada por grande parte da nobreza castelhana, que apoiava a meia-irmã do monarca, D. Isabel. O rei D. Afonso V de Portugal, tio e marido de D. Joana, interveio militarmente para garantir a sua coroação, enfrentando a aliança de D. Isabel e D. Fernando de Aragão. Depois de quatro anos de combates, as tropas portuguesas foram derrotadas, em 1476, na Batalha de Toro, junto ao rio Douro, a cerca de 30 km de Zamora; e na Batalha de Albuera, em 1479, a cerca de 30 km de Olivença, o que enfraqueceu a posição de Portugal.
Perante as dificuldades militares e sentindo-se a necessidade de consolidar os domínios atlânticos, Portugal e Castela negociaram a paz. O Tratado de Alcáçovas estabeleceria o reconhecimento de D. Isabel de Castela e de D. Fernando de Aragão como monarcas (Reis Católicos) de Castela.
Este Tratado também estipulou compensações financeiras e alianças matrimoniais entre as coroas para consolidar a paz entre os dois Reinos Ibéricos. Mas o seu clausulado foi particularmente importante para a consolidação do império atlântico português, ao garantir o monopólio sobre a navegação e o comércio na costa africana e preparar o caminho para a futura descoberta do Cabo da Boa Esperança (1488) na ligação ao oceano Índico, que abriria o caminho marítimo para o Oriente; e da descoberta do Brasil (1500).
Para o reino de Castela, este Tratado significou a sua estabilidade interna, permitindo que D. Isabel e D. Fernando concretizassem a unificação da Espanha e terminassem a secular Reconquista Cristã da Península Ibérica, com a definitiva conquista de Granada, em 1492.
Além disso, Alcáçovas estabeleceu um precedente para a divisão do mundo entre potências europeias, servindo de base para ao Tratado de Tordesilhas (já acima referido), que formalizaria a partilha dos territórios recém-descobertos (nomeadamente na América, após a viagem de Colombo), entre Portugal e Espanha.
Assim, o Tratado de Alcáçovas não foi apenas um Acordo de Paz, mas, sobretudo, um marco fundamental na geopolítica da Era dos Descobrimentos, moldando a expansão colonial europeia dos séculos seguintes.